Histórico

Programa Integrado de Esquistossomose da Fundação Oswaldo Cruz (PIDE/FIOCRUZ)

Natascha Ostos – Doutora em História

O Programa Integrado de Esquistossomose (PIDE) começou a ser esboçado em outubro de 1985. O chefe do Programa de Doenças Parasitárias da Organização Mundial da Saúde (OMS), Dr. K. E. Mott, entrou em contato com a Fundação Oswaldo Cruz, propondo que a instituição fosse credenciada como “WHO Collaborating Center for Basic and Applied Research on Schistosomiasis”. Foi ofertado um aporte financeiro para o início das atividades.[i]

O Vice-presidente de Pesquisas da Fiocruz, Carlos Morel, designou o pesquisador Naftale Katz, do então Centro de Pesquisas René Rachou, para o posto de coordenador do projeto, cuidando de estabelecer as metas e gerenciar os recursos. O primeiro passo foi fazer um levantamento dos pesquisadores que se dedicavam à esquistossomose na instituição, de modo a permitir que as suas investigações circulassem entre os pares. Para isso foi organizada uma reunião, aquela que viria a ser a primeira de muitas, agregando todos os interessados na questão. O encontro ocorreu em Belo Horizonte, em setembro de 1986. O fato da primeira reunião do grupo ter ocorrido em Belo Horizonte não foi acidental. Os pesquisadores mineiros construíram uma longa tradição nas investigações sobre a esquistossomose, com nomes como Amilcar Vianna Martins, que desde a década de 1930 dedicava-se ao tema, produzindo conhecimento científico e participando da elaboração de políticas públicas para o combate da moléstia.[ii]

Cada unidade da Fiocruz interessada no assunto organizou seus quadros internos, fornecendo informações detalhadas dos projetos em curso sobre a esquistossomose. Nesse primeiro esforço participaram as seguintes unidades: Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Recife, Pernambuco; Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz, Salvador, Bahia; Centro de Pesquisas René Rachou, Belo Horizonte, Minas Gerais; Escola Nacional de Saúde Pública e Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, capital.[iii] Destaca-se que cada unidade desenvolvia mais de um projeto na área, abrangendo um vasto campo de interesses científicos, que perpassavam desde aspectos da pesquisa básica, testes de novas substâncias, até levantamentos sanitários sobre a doença. Estava dada a oportunidade para a formação de uma comunidade científica de dupla feição, ancorada na identidade geral do pertencimento à Fiocruz, e verticalizada na especificidade do interesse sobre a temática da esquistossomose.

No ano seguinte, 1987, os cientistas continuaram mobilizados, tendo ocorrido, no Rio de Janeiro, no mês de outubro, o Simpósio Internacional sobre Esquistossomose. Na ocasião, o pesquisador Carlos Morel ressaltou a importância dos esforços, já que a doença atingia, naquela época, 200 milhões de pessoas no mundo, sendo 12 milhões no Brasil. Mas, em razão de ser uma doença crônica, com baixa taxa de letalidade, nem sempre recebia a devida atenção das autoridades.[iv] Segundo os organizadores do evento, o objetivo era “promover a troca de informações e estabelecer programas de cooperação com cientistas de todo o mundo, para estimular interesse dos estudantes no assunto e para permitir a redefinição das prioridades de pesquisa e alternativas estratégicas para o controle da doença no Brasil”.[v] Os trabalhos apresentados no simpósio foram publicados, em 1987, no suplemento do periódico Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, contando com 69 colaborações. Ao rememorar o evento, o cientista Naftale Katz assinala um dado interessante, o simpósio não foi caracterizado, no seu título, como o primeiro de uma série, já que os organizadores não sabiam se teriam condições estruturais de promover outro encontro.[vi] Contudo, o trabalho rendeu frutos, desde então o simpósio ocorre a cada dois anos, sendo que o último evento teve lugar no Rio de Janeiro, no ano de 2018.

A Reunião dos Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz sobre a Esquistossomose passou a ser intercalada com o simpósio internacional. Na segunda reunião dos cientistas nacionais, ocorrida na cidade de Teresópolis (RJ), em 1988, foi instaurado outro marco para a organização da comunidade, o Programa Esquistossomose da Fiocruz. Urgia encontrar um desenho eficiente, que facilitasse o trânsito de informações, definisse as funções do grupo, de modo a fomentar uma verdadeira integração entre os pesquisadores.[vii] A formação acadêmica dos membros do grupo era eclética, demonstrando o caráter interdisciplinar necessário para o avanço das pesquisas em todos os aspectos, clínicos, biológicos, químicos e sociais. No biênio de 1986-1987, trabalhavam com esquistossomose na Fiocruz profissionais das seguintes áreas: medicina, biologia, farmácia, odontologia, psicologia e veterinária.[viii] No ano de 2007 o Programa Esquistossomose da Fiocruz ganhou a sua denominação atual, Programa Integrado de Esquistossomose da Fundação Oswaldo Cruz (PIDE/Fiocruz). Na mesma data o projeto foi oficializado por meio da Portaria 201/2007 da Presidência da Fiocruz. Na delimitação do objetivo do grupo, a normativa afirmava o caráter público e geograficamente amplo da iniciativa, “Aprimorar o conhecimento básico e aplicado sobre a esquistossomose tendo em vista o seu controle nos níveis global, nacional, regional e local, com ênfase nas ações desenvolvidas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)”.[ix] Isso significava que a feição científica do programa ganhou contornos cada vez mais abrangentes ao longo do tempo, ponto já assinalado pelo pesquisador Naftale Katz, que ressaltou o impacto das contribuições do projeto em áreas como: diagnóstico, clínica terapêutica, epidemiologia, educação sanitária, etc.[x]

Outra iniciativa relevante foi a criação de cursos na área, voltados para técnicos e também para especialistas. Os centros de pesquisa Aggeu Magalhães, René Rachou e o Instituto Oswaldo Cruz têm tradição na oferta de programas de ensino sobre a esquistossomose. As publicações geradas pelos estudos desenvolvidos no programa são em grande número e de altíssima qualidade, além de possuírem impacto internacional. Destacamos a obra de 2008, Bibliografia Brasileira de Esquistossomose, abrangendo período de 1908 a 2007, livro de referência organizado por Omar dos Santos Carvalho, Liana Konovaloff, Jannotti Passos e Naftale Katz.[xi]

Atualmente o projeto integra o Programa de Pesquisa Translacional em Esquistossomose Fio-Schisto/PIDE, ampliando o seu alcance, já que, cada vez mais, fomenta a participação dos pesquisadores no assessoramento dos planos de saúde pública do Ministério da Saúde e na organização do SUS para lidar com a doença. À medida que a ciência avança, novos campos de pesquisa se abrem, incluindo “aspectos de genômica, imunopatologia, bioquímica e biologia molecular até ecologia”.[xii]

Desde a realização da primeira Reunião dos Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, até os dias de hoje, já se passaram 33 anos. Em 1987, Carlos Morel citava que a moléstia acometia um número enorme de brasileiros, podendo chegar a 12 milhões de infectados no país. No ano de 2018, por ocasião do 15ª Simpósio Internacional sobre Esquistossomose, os atingidos pela doença no país giravam em torno de 1,5 milhão de indivíduos. A conclusão indubitável é que muito foi feito no combate à doença, e não é despropositado deduzir que a mobilização dos pesquisadores da Fiocruz foi fundamental para os avanços obtidos, já que suas pesquisas impactaram positivamente a luta contra a esquistossomose e o tratamento dos doentes. Naftale Katz, que permaneceu 10 anos à frente da coordenação do PIDE, representa os muitos investigadores experientes envolvidos nesse projeto, que se renova e fortalece com a participação de novos integrantes e de alunos de pós-graduação. Por ser uma doença que atinge a população pobre, carente de recursos básicos, o trabalho das instituições e organizações públicas, nacionais e internacionais, é fundamental para o controle da esquistossomose. A decisão de formar uma rede científica sobre a doença, a partir do PIDE, ampliou o conhecimento sobre a esquistossomose, fomentando o diálogo e a troca de experiências. Como consequência, populações historicamente negligenciadas pelo poder público, hoje contam com o auxílio de saberes consolidados e de novos avanços científicos no campo da esquistossomose, com impacto significativo na promoção da saúde integral das pessoas.


[i] KATZ, Naftale – Apresentação. In: Relatório da 1ª Reunião sobre Esquistossomose Mansoni dos Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz. Belo Horizonte, 11 set. 1986, s./p.. Disponível em:

[ii] MARTINS, Amílcar Vianna; VERSIANI, W.. Plano de combate a “Schistosomose mansoni” em Belo Horizonte. Hospital, Rio de Janeiro, 15(3), p. 197-206, 1939. 

[iii] CARVALHO, Omar dos Santos; KONOVALOFF, Liana, PASSOS, Jannotti. Relatório da 12ª Reunião do Programa Integrado de Esquistossomose (PIDE) da Fiocruz. 14 a 16 de setembro de 2009, Teresópolis, Rio de Janeiro, s./p.

[iv] MOREL, Carlos M.. Foreword. Mem. Inst. Oswaldo Cruz,  vol. 82, supl. 4, 1987, p. I. 

[v] TENDLER, Miriam et al. Foreword of the organizers of the International Symposium on Schistosomiais and I Reunião Nacional de Esquistosomose. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, vol. 82, supl. 4, 1987, p. II. (traduzido).

[vi] KATZ, Naftale. Twenty years of the Schistosomiasis Programme at Fiocruz.Mem. Inst. Oswaldo Cruz,  vol. 101, supl. 1, oct.  2006, p. 9.

[vii] FIOCRUZ. Introdução – 2ª Reunião dos Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz sobre a Esquistossomose. De 9 a 10 de maio de 1988, Teresópolis, Rio de Janeiro.

[viii] Idem.

[ix]FIOCRUZ. Portaria da Presidência 201/2007.

[x] KATZ, Naftale. Twenty years of the Schistosomiasis Programme at Fiocruz. Ibidem, p. 10.

[xi] CARVALHO, Omar dos Santos et al.. Bibliografia Brasileira de Esquistossomose. Belo Horizonte: CPqRR, 2008.

[xii] FIOCRUZ. Programa de Pesquisa Translacional em Esquistossomose Fio-Schisto/PIDE.


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