Hospedeiro

O gênero Biomphalaria – moluscos hospedeiros intermediários

Amanda Santos – estudante de biologia

Os primeiros pesquisadores que estudaram a evolução do Schistosoma descobriram que, assim como outros parasitos trematódeos, o verme passa por uma fase de transformação dentro de um hospedeiro intermediário, possivelmente um molusco. Foi Leiper, em 1914, o maior responsável por investigar, a nível global, a relação entre os esquistossomos e moluscos de água doce. Lutz em 1916 estudou sobre a parasitose em solo brasileiro. Nestes estudos observou a penetração de miracídios de Schistosoma mansoni em moluscos de água doce, concluiu então que tinham como hospedeiro intermediário caramujos do gênero Biomphalaria, na época Planorbis.  

O gênero Biomphalaria compreende moluscos gastrópodes que vivem em água doce. Estes têm importância médica por algumas espécies serem hospedeiras intermediárias do Schistosoma mansoni. No Brasil ocorrem 11 espécies e 1 subespécie de Biomphalaria, sendo que três espécies são consideradas hospedeiras naturais, pois foram encontradas infectadas pelo parasito (Biomphalaria glabrata, Biomphalaria straminea eBiomphalaria tenagophila) e outras três são consideradas hospedeiras em potencial (Biomphalaria peregrina, Biomphalaria amazonica e Biomphalaria cousini), pois se infectaram em experimentos de laboratório. Sendo B. glabrata o principal transmissor da S. mansoni na região neotropical.

Estes moluscos apresentam a concha com forma de disco em espiral plano, com lados aproximadamente paralelos com diâmetro variando de 7 a 40 mm dependendo da espécie, e coloração castanha, sendo alguns mais claros e outros mais escuros de acordo com as condições ambientais. Os orifícios genitais ficam do lado esquerdo do corpo e possuem tentáculos finos e alongados.

 Vivem em água doce, em coleções naturais e artificiais como: lagos, lagoas, cisternas, pântanos, poços, riachos, açudes, áreas alagadas, canais de irrigação e de drenagem. O habitat preferencialmente é de águas rasas com riqueza de microflora, leito lodoso ou rochoso e com vegetação, onde fazem a postura dos ovos. Iluminação, temperatura média de 22° a 26°C, ph entre 6 e 8 e turbidez da água também são fatores essenciais para a sobrevivência do molusco. Os caramujos do gênero Biomphalaria apresentam grande capacidade de adaptação às condições adversas: são capazes de reduzir o metabolismo e entrar em estado de hibernação caso ocorra falta de alimento ou diminuição ou aumento de temperatura, e em períodos de seca se enterram. Isso explica a capacidade de viver em diversos ambientes e a ampla distribuição por todo território brasileiro.

A alimentação desses invertebrados depende do substrato. Com a rádula (estrutura presente na cavidade bucal) eles raspam lodo (que contém matéria orgânica e sais minerais), limo (composto por algas, bactérias e outros microrganismos), excremento de outros animais e folhas em decomposição.

Os moluscos do gênero Biomphalaria são hermafroditas, o sistema genital compreende um órgão, chamado ovotéstis, produtor de células germinativas masculinas e femininas. Têm alta capacidade proliferativa. Logo após a oviposição, a desova apresenta-se com a cápsula externa maleável e com a substância albuminosa opaca. Após alguns minutos, a cápsula torna-se mais rígida e a desova transparente. Em laboratório já foi observada produção de desova ininterrupta por mais de um ano, além disso, têm rápido desenvolvimento embrionário, não mais que oito dias, com a postura de 10, 50 ou mais ovos/desova com uma taxa de sobrevivência de 80%. Após um mês da eclosão, o molusco jovem consegue acasalar com produção de prole. O tempo de vida média dos caramujos é aproximadamente um ano. Esta rápida reprodução é um dos fatores da sobrevivência e permanência das espécies do gênero.

Moluscos do gênero Biomphalaria já foram relatados em 24 dos 26 estados brasileiros, além do Distrito Federal. Só não foram registrados nos estados do Amapá e Rondônia.

Biomphalaria glabrata foi registrada em Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerias, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, São Paulo, Sergipe e DF (Figura 1A). Os adultos dessa espécie apresentam concha com cerca de 20 mm a 30 mm de diâmetro com 6 giros arredondados que crescem lentamente em diâmetro.

Biomphalaria straminea é encontra no Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Roraima, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e DF (Figura 1B). Os adultos têm concha de 16 mm de diâmetro com 5 giros arredondados.

Biomphalaria tenagophila foi registrada na Bahia, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e DF (Figura 1C). Os adultos dessas espécies têm concha com cerca de 35 mm de diâmetro com sete a oito giros..

Schistosoma mansoni infecta o molusco na forma larvar chamada  miracídio. Os ovos presentes nas fezes humanas em contato com a água doce, ,  na temperatura ideal de 28º C e com ajuda da luminosidade e movimentação do embrião o ponto de menor resistência do ovo rompe e libera o miracídio. Esta larva apresenta forma cilíndrica e mede cerca de 160-180 micrômetros de comprimento. O corpo é formado por placas epidérmicas ciliadas, na região anterior e papila apical em forma de cone (terebratorium) que contém abertura de glândulas (adesivas e de penetração) e muitos receptores sensoriais. Possuem sistema de detecção de luz e quimiorreceptores localizados nas células nervosas que percebem substâncias que existem no muco do molusco hospedeiro intermediário. Os miracídios nadam utilizando os cílios presentes na epiderme. Como não têm sistema digestivo, não se alimentam no meio, dependendo unicamente das reservas energéticas (glicogênio). Quanto mais tempo nadando sem encontrar o caramujo hospedeiro, menor é a chance de infectá-lo. Quando finalmente entram em contato a Biomphalaria, o miracídio adere e penetra nas partes moles do tegumento, para isso usam as secreções do terebratorium e movimentos rotatórios. Este processo dura entre três a quinze minutos. Dentro do caramujo, o miracídio passa por mudanças estruturais perto do ponto de  penetração, dando origem ao esporocisto primário. Eles crescem e ficam no formato de saco alongado ou ovalado. Após duas horas da penetração perdem o revestimento epitelial ciliado e formam um novo tegumento sincicial, formado por mitocôndrias, ribossomos, retículo endoplasmático, glicogênio e lipídeos. Ainda não têm sistema digestivo e a excreção e secreção são realizadas pelo tegumento.

A partir do esporocisto primário as células germinativas que antes eram difusas tornam-se mais proeminentes e a porção central do esporocisto diferencia-se em uma câmara de maturação onde as células germinativas se reproduzem assexuadamente formando o esporocisto secundário. Em menos de uma semana o esporocisto secundário começa a se formar por subdivisões e diferenciação das células germinativas. Após 5 a 6 dias o esporocisto primário se transforma em esporocisto secundário e desloca para o hepatopâncreas (glândulas digestivas) e ovotestis do molusco. Nesta fase ocorrem mudanças anatômicas. Após 3 a 4 semanas de desenvolvimento a forma larval, cercária, está completamente formada e pronta para ser eliminada ao meio externo. Um único miracídio pode gerar de 100 a 300 mil cercárias.

As cercárias saem pelo rompimento de vesículas que são formadas na epiderme do molusco hospedeiro. A sua liberação está relacionada com a luminosidade e temperatura, ocorrendo nas horas mais claras e quentes do dia, onde buscam o hospedeiro definitivo, o homem ou outro mamífero suscetível que estejam em contato com a água.

 Referências

CARVALHO, OS; COELHO, PMZ, LENZI, HL. Orgs. Schistosoma mansoni e esquistossomose: uma visão multidisciplinar. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008.

CARVALHO, OS; PASSOS, LKJ; MENDONÇA, CLF; CARDOSO, PLM; CALDEIRA, RL. Moluscos Brasileiros de Importância Médica. 2. ed. Belo Horizonte, Fiocruz/Centro de Pesquisas René Rachou, 2014.

CANTINHA, RS. Influência da radiação gama de alta taxa de dose na sobrevivência e na reprodução de Biomphalaria glabrata. 2008. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Energéticas e Nucleares, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008.

MARQUES, DPA. Monitoramento da inserção do patrimônio genético de Biomphalaria tenagophila do Taim (RS), linhagem resistente ao Schistosoma mansoni, após a sua introdução em uma área endêmica para esquistossomose no Município de Bananal/SP, com transmissão mantida por B. tenagophila. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós – Graduação em Ciências da Saúde do Centro de Pesquisas René Rachou, Belo Horizonte, 2012.

Figura 1: Mapa do Brasil com a distribuição dos moluscos das espécies (A) Biomphalaria glabrata, (B) Biomphalaria straminea e (C) Biomphalaria tenagophila, hospedeiros intermediários do Schistosoma mansoni (CARVALHO et al 2008.)